Long Hat House: indie game studio

Dandara dos Palmares

Um pouco de História

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Estamos felizes que você esteja interessado em saber mais sobre a Dandara histórica! Pode ser muito difícil pesquisar sobre ela, mais em inglês do que em português, claro; dessa forma, pensamos em incluir essas informações como ponto de partida.

Se você veio de outro contexto, nós somos a Long Hat House e criamos um jogo chamado Dandara. É um jogo de exploração sobre o qual você pode saber mais aqui. Deixamos claro em entrevistas e reportagens que a protagonista é inspirada em uma personagem histórica, mas o jogo em si não tenta contar a história por trás dela – é por isso que achamos importante escrever um pouco sobre ela em algum lugar.

Este texto é na verdade a cópia de uma seção sobre Dandara dos Palmares do nosso guia, parte da Edição de Colecionador Super Rara sobre o jogo; embora seja bem curto, também achamos que deveria estar disponível para todos.

Dandara, a personagem do título do jogo, é inspirada na heroína que, séculos atrás, enfrentou alguns dos momentos mais cruéis do passado brasileiro e se tornou um símbolo de luta por liberdade e dignidade. Embora o cenário do jogo esteja vagamente conectado à realidade, seu nome carrega muito significado para a história que contaremos. Com um pouco de sorte, talvez possamos trazer um pouco desse significado para sua vida também.

A escravidão foi legal no Brasil por mais de 300 anos; mais de 5 milhões de africanos foram trazidos para cá através desse tráfico vil. Estimativas mostram que centenas de milhares de pessoas morreram ainda nos navios devido às condições em que eram transportadas. Todavia, quem chegou a pisar em solo brasileiro não enfrentou melhores circunstâncias; os sobreviventes eram forçados a trabalhar até a morte, desumanizados.

Onde há opressão, sempre haverá resistência. Trata-se de uma luta contínua que só culmina com o fim dessa crueldade. Contra a escravidão, grande parte dessa resistência foi formada por quem conseguiu fugir, estabelecendo assentamentos chamados de mocambos, onde se uniam e lutavam contra os ataques de quem tentasse recapturá-los ou destruí-los. Às vezes, muitos mocambos formavam uma comunidade única inteira, nos moldes das sociedades africanas. Essas comunidades eram chamadas de quilombos.

O Quilombo dos Palmares era o maior que existia no Brasil, abrigando a certo ponto uma população estimada em 20.000 habitantes; seu maior mocambo era tão povoado quanto a cidade do Rio de Janeiro, com mais de 6.000 habitantes à época. Dizia-se que seu povo era especialista em estratégia e em uma técnica de combate e resistência que se relaciona com a capoeira de hoje, por meio da qual puderam resistir a quase um século de ataques de oponentes muito mais fortemente armados. Palmares teve líderes notórios que se tornaram amplamente conhecidos na História do Brasil: foram os casos de Ganga-Zumba, Zumbi e Dandara dos Palmares.

Não conhecemos o rosto dela. Encontramos outras recriações de Dandara na internet, algumas sem crédito associado (aquelas com crédito são clicáveis, com links diretos para sua origem). Imagens e informações são difíceis de encontrar, o que mostra a importância de manter a lenda viva. Se você acha que erramos nos créditos aqui, entre em contato conosco.

Dandara, ao contrário de outros, não está documentada nos relatórios da época. Esses relatórios foram escritos pelo inimigo, que minimizou as ações dos palmarinos e sempre omitiu papéis femininos. Um debate se acendeu em torno de suas histórias e até mesmo da sua existência, elevando-a ao campo de lenda. No entanto, mesmo se precisarmos considerá-la uma personagem fictícia, ela representa mulheres muito reais e que não são poucas; mulheres que lutaram e ainda lutam contra séculos de opressão, cujos nomes foram apagados por essas forças opressoras. Você pode encontrar pessoas, movimentos sociais e lugares com o seu nome hoje em dia. É impossível negar a força de seu simbolismo na luta contínua pelos direitos das mulheres negras.

Nos contos de Dandara, ela é descrita como uma líder de destaque, lutadora e estrategista ao lado de Zumbi; ela também foi a responsável direta por muitas das vitórias do quilombo. Diz-se que, após a queda do quilombo, emboscada em um penhasco, ela tirou a própria vida, recusando-se a uma vida de subjugação.

A escravidão acabou legalmente em 1888, mas a lei não trouxe uma solução para a segregação social e a situação terrivelmente difícil a que essas pessoas foram forçosamente sujeitas, hoje herdada por milhões. Toda uma cultura de racismo construída ao longo desses séculos se perpetuou em pensamentos e hábitos que, mais de cem anos depois, ainda são comuns. A escravidão deixou no Brasil mais do que uma cicatriz, e sim uma ferida aberta, longe de cicatrizar.

Este texto foi feito sob supervisão do historiador brasileiro Felipe Santos Deveza.

Um pouco mais de leitura se você estiver interessado:

BLACKBURN, Robin. The Making of New World Slavery: From the Baroque to the Modern 1492–1800. New York: Verso. 1997. Pp. v. 602.

TOMICH, Dale W. Through the Prism of Slavery: Labor, Capital, and World Economy (World Social Change), Maryland: Rowman & Littlefield, 2004.

ARRAES, Jarid, As Lendas de Dandara. Editora Cultura.

ALENCASTRO, Luiz Felipe de, O trato dos viventes (The Trade of the Living): a formação do Brasil no Atlântico Sul. São Paulo: Cia. das Letras, 2000.

GOMES, Flávio dos Santos. A hidra e os pântanos: Mocambos, quilombos e comunidades de fugitivos no Brasil escravista (séculos XVII-XIX). São Paulo: Polis/Unesp, 2005.

LARA, Silvia Hunold. Quem eram os "negros do Palmar"?. in: RIBEIRO, Gladys Sabina; FREIRE, Jonis Freire; ABREU, Martha e CHALHOUB, Sidney (orgs.). Escravidão e cultura afro-brasileira: temas e problemas em torno da obra de Robert Slenes. Campinas, Editora da Unicamp, 2016, p. 57-85.

SCHWARCZ, Lilia e GOMES, Flávio (organizadores). Dicionário da escravidão e Liberdade - 50 textos críticos, São Paulo: Companhia das Letras, 2018.

SCHWARTZ, Stuart, Escravos, roceiros e rebeldes. Bauru, Edusc, 2001. (1992)